Tenho medo das urgências que invento.
A busca por uma escrita que desafia a necessidade de aprovação.
Tenho orgulho dos medos que já enfrentei, das batalhas internas que já venci e dos lugares nos quais não me permiti estagnar, e tenho medo, muito medo mesmo, dos medos que ainda tenho, das batalhas que não me atrevi começar e das paisagens internas que não me permiti visitar.
Tenho medo de só poetizar com rimas fáceis.
Verbo com verbo
Ar com falta de ar
E de, para sempre, ter que me vigiar para não ser essa virginiana que encontra formas de deixar o simples metodicamente mais complexo e adicionar camadas de perfeccionismo à algo que, facilmente, poderia pertencer a ordem das coisas descomplicadas.
Tenho medo do meu talento natural para profissionalizar aquilo que, talvez, poderia dar mais caldo se permanecesse no amadorismo.
De me perder na minha própria seriedade
e enrijecer na necessidade de excelência.
Não quero só assistir e ser mestra no contemplar da espontaneidade à distância. Quero ser uma mãe que pula na poça de lama e pinta e borda se entregando à infância. Quero ser uma mulher adulta capaz de intencionalmente desendultecer, por isso, desde a última ida ao supermercado, tenho desenhado carinhas variadas em cada um dos doze ovos da caixa de ovos.
Como quem, com desenho, escreve um manifesto.
Tenho medo de ser uma escritora que repete palavras de forma não intencional, que não tem um editor e não sabe se auto-editar e que escreve “doze ovos da caixa de ovos”.
Esse é o meu mais novo medo adquirido, confesso.
Um medo recém-nascido dessa velha mania de perfeccionisar aquilo que talvez, só talvez, deveria permanecer no amadorismo intuitivo, no lugar fluído onde o Tempo a prática e a repetição da prática, com o tempo, naturalmente aprimoram a arte de quem se dedica, de corpo alma e coração, ao suor artístico.
Tenho medo de conjugar em demasia o verbo dever no tempo ia e esquecer de ir pro recreio.
Tenho medo de Novembros.
Muito medo, mesmo,
dessa temporada de Escorpião que, entra ano, sai ano, me agarra pelo rabo e me arrasta para novas profundezas, momentaneamente me encarcerando em uma introspecção radical. Para, quando Sagitário enfim preencher céus e mapas natais, me catapultar de volta ao mundo-do-outro-lado-da-pele, com a percepção radicalmente expandida, enxergando com olhos de águia horizontes até então nunca imaginados.
Se pudesse escolher, escolheria outro ascendente?
Não.
Mas esse amor pelas profundezas, pelo oculto e enigmático não me impede de temer a picada do meu próprio ferrão.
Novembro dói.
Tenho medo das urgências que invento.
Tipo a de aprender a usar frases de estrutura à esquerda — o tal do left branching que até uma piscada de olho atrás eu nem sabia o que era, já que sou uma escritora desletrada que aprende lendo e espremendo o coração até pingar palavra.
Nunca tive medo de, como foguete rumo ao espaço, me lançar no desconhecido e, de olhos fechados, sem paraquedas saltar, confiante no milagrosamente aparecer das asas que a fé na vida em mim faz brotar. E, há tempos, muitos tempos, no plural mesmo, perdi meu medo do fracasso
e dá falta de ar que ele dá.
Mas confesso que ao perder um medo ganhei outro: o de, até que o último suspiro me encontre, ser essa formiguinha irremediavelmente perseverante, de repetir e repetir e repetir e repetir o verbo tentar e ser incapaz de saber quando é chegada a hora de enfim desistir.
Mas o pior de todos os medos que tenho é o de perder a voz ao ser soterrada por dilemas que invento e esquecer da minha habilidade natural de simplificar até o mais complexo dos problemas
e, com rebeldia, fazer dos medos, poesia.
Com a rima que for.
O medo de criar.
Tenho usado essas longas madrugadas puerperais para refletir sobre meus medos e o enorme desejo de, neste terceiro ano de Substack, que não por coincidência começará bem no fim de um novembro-que-dói, dar passos largos, me distanciando ainda mais dos jeitos de escrever aos quais me viciei ao longo dos anos de criação de conteúdo. Te conto que quero me entregar de forma ainda mais visceral à escrita criativa, buscando não apenas me arriscar em novos territórios e explorar meu potencial como escritora, mas também, com criatividade e ambição, me dedicar a ir atrás do sonho de (ouso admitir) ter uma obra amplamente lida e vivenciada.
E, nesse contemplar de medos, mapear de desejos e repensar de estratégias, tropecei na seguinte pergunta: o que nos impede de dar aquele passo decisivo em direção ao que realmente desejamos?
O obstáculo certamente não está em nossa capacidade de dar vida ao que envisionamos.
Não temos medo de criar, por exemplo.
Não temos medo das palavras, dos quadros, dos filmes, dos projetos, nem das letras, dos pincéis, da tinta, dos roteiros, tampouco das histórias, livros, newsletters, exposições e vivências que, da nossa dedicação, nascerão. O verdadeiro medo, o que muitas vezes nos paralisa, vem de fora. O medo é das pessoas — de seus olhares e julgamentos. O que nos assombra não é o fracasso ou a chance de produzirmos algo ruim, mas a possibilidade de que algo que criamos com tanto cuidado seja tratado com desprezo ou, pior ainda, com indiferença.
Criar algo e colocá-lo no mundo é um ato de extrema vulnerabilidade. Expor nossa essência através do trabalho criativo nos deixa à mercê, não apenas das opiniões, mas também das interpretações alheias. E é aí, exatamente aí, que reside o maior dos medos:
O que farão com a nossa verdade?
.
Quantas ideias não morrem antes mesmo de nascerem, não porque não sejam boas o suficiente, mas porque tememos como elas serão recebidas?
Quantas newsletters acabam antes mesmo de começar, ficando apenas naquele primeiro post automático de "em breve"?
Quantos “em breve” nunca acontecem?
Talvez o verdadeiro ato de coragem não seja vencer os medos, mas criar apesar deles, sabendo que tanto a crítica quanto a indiferença podem vir, mas que a única aprovação que realmente importa é a nossa. No fundo, é esse passo, para além da necessidade de validação externa, que nos aproxima do nosso verdadeiro potencial, não apenas como escritores e criativos mas como seres humanos em busca de viver com autenticidade.
Afinal, se nossos maiores medos nascem da expectativa de como os outros receberão o que temos a oferecer, talvez o maior triunfo, o verdadeiro sucesso, digno de estar na capa da Forbes, seja não permitir que essa expectativa nos silencie ou abrande o desejo de dar vida ao que envisionamos ser possível. Será?
com um afeto radical para você que me lê,
Verbena Cartaxo
O que você faz com os medos que tem?
esse danado nunca vai embora, né? perdemos alguns, abrimos espaços pra que outros venham correndo ocupar.
esse texto ressoou muito com a resposta que meu ciclo atual me trouxe. eu tô com medo de perder a impulsividade. ando com saudade da garota dos 24 que morava sozinha, pintou a parede de vermelho cereja e escreveu de batom nos azulejos onde deveria ter um espelho.
tenho me achado a “mãe chata” de adolescente que vive dizendo os nãos que causam profunda chateação e só serão compreendidos lá na frente.
“será que eu perdi meu super-poder de me jogar e ver no que dá?” esse tem sido meu maior medo…
tudo porque o desejo de maternar tá tomando cada vez mais espaço e me conduzindo por outros caminhos e sentires. tem hora que amo essa nova versão que surge, tem hora que ela me irrita profundamente e eu penso “quem foi que deixou ela entrar?”
teve um medo seu que me tocou aqui e senti de te dar um conselho não solicitado😂 profissionalizar não vai te fazer perder o brilho porque você já é uma profissional. e se o próximo passo vier com editoras e livros impressos nas estantes, é pra coroar essa trajetória linda e satisfazer o seu desejo (e o nosso hahaha). eu acho merecimento. mas eu sou ariana de sol e ascendente e amo um holofote hahaha sei como é desafiador pra uma virginiana de ascendente em escorpião. além de você, na minha vida tem outra dessa espécie tão rara. eu admiro tanto vocês! e to sempre aqui dando aquele empurrãozinho pra que sejam vistas! porque o mundo precisa. a gente precisa!❤️🔥 um abraço forte, V! e ainda bem que temos esse espaço para colocar nossa verdade!
…já que sou uma escritora desletrada que aprende lendo e espremendo o coração até pingar palavra.” Que lindo!! Obrigada por partilhar o seu sentir. Ana