O lugar onde presença, vitalidade e bem-estar se fazem uno.
Re-aprendendo a confiar em Deus e descansar no abraço aveludado da Vida.
Te escrevo com um algo descafeínado em mãos, sentada no lado esquerdo da cama de casal com três travesseiros nas costas e o laptop apoiado não no top da minha lap e sim em uma daquelas mesinhas de computador portátil que também servem para café da manhã na cama.
Algo que vem se tornando um ritual diário.
Aproveitando para encontrar palavras que traduzem o meu momento enquanto me delicio sob os raios de sol que temperam mais uma manhã de fim de Inverno com gosto de começo de Primavera aqui nesse país frio que há quase uma década vem se fazendo lar e incessantemente me convidando a relaxar e me amaciar de encontro ao tecido aveludado da vida.
Algo que por anos eu estive relutante em aprender.
Até agora.
Até que em Dezembro a vida e a mulher que eu até então conhecia e sabia ser começaram a ser vagarosamente transformadas por um milagre não planejado e, em meio a tanta transformação, alguns traços marcantes da minha personalidade, por esse milagre, foram iluminados.
Desde muito pequena eu ando pela vida carregando uma sensação incômoda de que a qualquer momento algo vai dar muito errado e todo o meu bem estar desaparecerá num piscar de olhos e o chão onde eu finco profundo as minhas raízes-aladas se despedaçará me levando junto.
Uma das minhas primeiras memórias é a de, aos 4 anos, depois de ter roubado uma cápsula de algum remédio ou suplemento que a minha mãe tomava do armário do banheiro e depois de, de tanto apertá-la tê-la feito explodir entre os meus pequenitos dedinhos deixando vazar todo o líquido vermelho-sangue do qual ela era recheada, ter passado dias a fio em estado de alerta vigiando a prova do crime, os restos da cápsula explodida e uma blusinha branca agora toda manchada de vermelho vivo que foram cuidadosamente escondidos por mim num canto secreto do nosso quintal no interior de Minas.
Sim.
Eu era, além de selvagem, uma criança astuta.
Meus pais nunca foram dos que nos puniam por travessuras de criança, algo que eu, minha irmã e meus dois irmãos éramos craques no assunto. A nossa criação sempre foi costurada na conversa, no olho no olho, no afeto e em boas argumentações que explicavam as razões para algo acontecer ou não. As chineladas e as ocasionais cintadas na bunda existiram e chegaram mais tarde quando adolescentes nós momentaneamente nos transformamos em quatro criaturas insuportáveis que só sabiam encher o saco um do outro e brigar por uma coleção de motivos desimportantes.
Mas aos 4 anos, ainda que eu estivesse longe de conhecer a palavra punição, já existia em mim a preocupação de que por minha culpa e a qualquer momento algo muito errado poderia acontecer e que ao ser descoberta como o motivo culpável, tudo estaria perdido. Eu estaria perdida.
Eu não sei você, mas eu não acredito e nunca acreditei que os traços mais marcantes da nossa personalidade que são responsáveis por definir a forma como iremos adultecer são todos produtos dos traumas de infância, da criação e dos erros e acertos dos nossos jovens pais eternos aprendizes. Pelo contrário, eu acredito que muita coisa é nossa e só nossa e já vem muito bem empacotada na bagagem com a qual adentramos o plano terrestre depois de uma temporada no plano espiritual.
Pois eu acredito que a minha preocupação com tudo que pode dar errado e a minha dificuldade em me entregar completamente ao bom da vida e acreditar que ela pode sim ser fácil e aveludada e que nem sempre as belas calmarias serão seguidas de terríveis tempestades, é uma dessas características que veio comigo.
Um algo na minha personalidade à ser trabalhado, aprendido e transmutado nessa encarnação.
E é justamente da dissolução do nó formado pelos fios densos dessa preocupação que eu tenho me ocupado nos últimos tempos, buscando aprender a, ao me deixar ser entrelaçada pela imperfeição da vida, confiar não só que as coisas podem sim dar muito certo mas principalmente confiar que depois de elas darem certo algo muito errado e difícil e traumatizante não me acontecerá.
A tal da síndrome da impostora, um diagnóstico que cai como luva em grande parte das mulheres que estão de forma criativa, autêntica e consistente, colocando suas vozes no mundo e expressando com verdade suas sábias perspectivas, também já foi algo com o qual eu me auto diagnostiquei. Durante o primeiro ano de criação de conteúdo, quando ainda de forma uma tanto insegura eu deixei de compartilhar só poemas e breves escritos sobre mim e passei a soltar no oceano digital a minha escrita recheada de opniões próprias e expressar em alto e bom tom a minha perspectiva sobre determinados temas dentro do universo em expansão que é o assunto Mulheridades, a preocupação exarcebada de que algo poderia de uma hora para outra dar muito errado e eu perderia tudo que vinha conquistando alcançou níveis altíssimos.
Mas ainda que o novo diagnóstico de síndrome da impostora fosse perfeito, a sensação incômoda de nó na barriga e aperto no peito era minha conhecida de longa data e me levava para uma coleção de memórias de infância onde o medo de ser descoberta por ter feito ou falado algo errado estava profundamente plantado.
Aos quatro anos, aos sete, aos nove, aos quinze e depois com uma frequência ainda maior ao longo dos grandes desafios pessoais da minha década de vinte, muito antes de colocar a boca no mundo e me tornar dona das minhas opiniões e sabedorias próprias, eu já sofria de uma síndrome.
E não era a de impostora.
Uma síndrome para qual, ainda que eu siga sem ter um nome, eu venho desde Dezembro buscando palavras que a traduzam e que ao traduzi-las me ajudem a encontrar formas de no corpo de uma vez por todas transmuta-la.
Porque a verdade é que eu cansei de seguir comprometendo a qualidade do meu presente com preocupações desnecessárias sobre um futuro desconhecido que pode ou não se materializar e porque, ao escolher viver com uma presença radical, eu enfim entendi que dentro do pacote de cada dia existe muito mais néctar do que dor - se (e só se) nós escolhemos sincronizar a mente com o que está acontecendo no Corpo e com os mundos reais dentro e fora dele.
Por isso, nesse Domingo que é o dia oficial de publicar novos bálsamos nessa biblioteca, eu escrevo mais uma vez a partir de um lugar de vulnerabilidade, mais para me ajudar a separar os fios embolados do meu nó do que para te oferecer linhas coloridas para costurar a sua vida radicalmente viva que acredito eu deve estar em processo de feitura. Com a esperança de que, se você carrega um nó similar na barriga, os meus fios em processo de serem desembolados te ajudem a olhar pro seu momento com mais doçura e enxergar no agora imperfeito uma porta aberta rumo a evolução da sua Alma.
O termo vida aveludada chegou no meu vocabulário bem recentemente quando eu decidi beber da minha própria medicina e me escutar falar aqui sobre a escolha de nos amaciarmos de encontro ao presente - uma tradução livre não lapidada para a expressão to soften into the present que é uma das minhas favoritas na língua inglesa - para por ele sermos primeiro acolhidas e nutridas, depois cuidadas e acariciadas até por fim sermos transformadas e impulsionadas rumo ao adiante.
Ao me escutar falar por mais de 20 minutos eu percebi que mais do que simplesmente estar presente naquilo que está acontecendo no aqui e agora, a minha busca pessoal é a de diariamente viver essa metamorfose de verbos e ter a minha vitalidade (que eu acredito ser o bem mais precioso que nós temos na vida) profundamente nutrida tanto por aquilo que eu escolho colocar nos meus dias quanto por aquilo que a vida escolhe colocar no meu caminho.
O fácil e o difícil.
O desafiador e o de se deleitar.
E é bem aí que entra o tema central dessa publicação, se é que ela tem um.
O medo de que a vida dê errado e de que a qualquer momento todo o nosso bem estar, segurança e conquistas materiais e imateriais sejam de nós tirados, nos impossibilita de com confiança vivermos essa bela metamorfose de verbos e nos rouba a possibilidade de sermos carinhosamente embrulhadas no abraço aveludado da vida.
Que é exatamente o lugar onde presença, vitalidade e bem estar se fazem uno.
Enquanto desembolo os meus nós, vou aos poucos descobrindo que paz de espírito e preocupação respeitam aquela lei de física que todos nós aprendemos na escola e que está arquivada em algum lugar da nossa memória: a lei da impenetrabilidade da matéria que afirma que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo.
Lembra dessa lei?
Ou somos preenchidos por paz de espírito e serenidade ou nos deixamos preencher por ansiedade que é a sensação corpórea produzida pela pré-ocupação da mente diante de possibilidades ainda não concretizadas.
Ao revisitar a minha linha do tempo, ritualizando com simplicidade, de olhos fechados e com as duas mãos no coração, eu abraço apertado cada uma das meninas e as jovens mulheres que eu fui, não só buscando acolhe-las em momentos solitários de grande ansiedade e medo mas libertá-las desse jeito de ser que não mais me serve.
E por falar no que não mais nos serve.
A Primavera no Hemisfério Norte é o verdadeiro começo de ano, o momento de sincronizar com o Mundo Natural despertando outra vez para a vida viva depois de uma temporada de profunda introspecção e muito pouco movimento, e de cuidadosamente decidir quem seremos ao longo das próximas estações.
Como dessa vez eu nada sei sobre quem eu me transformarei ao longo de 2024, já que estou vivendo o mais profundo e mais belo mergulho no Desconhecido já dado até hoje, me despedindo da longa temporada de Donzela Selvagem para renascer dentro daquela gigante palavra de só três letras que na linha do tempo do Feminino está posicionada entre a Donzela e a Anciã, eu me apego ao pouco que posso conscientemente decidir mudar.
O exercício, como de costume, tem sido prático.
Cura Corpórea
Sempre que eu me pego pensando no que pode dar errado eu fecho os olhos, interrompo o fluxo de pensamento e o transformo em um cenário imaginário onde aquilo que eu imagino que possa vir a dar errado se faz real. Uma vez que o cenário está claramente desenhando na mente eu o visualizo derretendo aos poucos.
Não o derreter do gelo se fazendo outra vez líquido e sim o derreter suculento de um pedaço de chocolate em banho maria, vagarosamente perdendo a sua firmeza sólida até chegar numa textura aveludada.
Nesse momento eu aciono a minha percepção corpórea e ao invés de simplesmente me imaginar preenchida de uma substância dessa textura eu busco sentir no corpo esse preenchimento viscoso. A ansiedade rapidamente deixa de ser um nó na barriga ou um aperto no peito e passa a ser um estado físico que preenche cada canto remoto do corpo - do dedão do pé até o ultimo fio de cabelo.
Uma vez preenchida por ansiedade eu visualizo o meu próprio derretimento.
O meu próprio fim.
A vida já me ensinou, ao longo desses 34 anos de aventura espiritual em terras corpóreas, que todo fim é seguido de um recomeço.
Ênfase no todo, sem exceção.
Portanto ao me derreter de encontro ao meu próprio fim, tudo o que me resta é recomeçar. Abro os olhos e olho pro aqui-agora-físico, percebo cada detalhe do lugar onde me encontro e ao invés de, na mente, visualizar um novo cenário imaginário eu simplesmente me deixo estar onde estou.
Tendo a respiração como âncora e permanecendo presente na realidade do momento, eu começo a me reconstruir e vou aos poucos novamente ganhando corpo e forma até voltar a ser um ser inteiro. Uma vez recomposta, eu deixo que a batida do coração se faça âncora e me lembre do milagre que é estar não só viva mas ter uma vida inteira para chamar de minha.
E é nesse momento que eu respiro fundo e coloco pra dentro do corpo os únicos dois ingredientes capazes de transformar preocupação e ansiedade em paz de espírito, quase que num passe de mágica.
Confiança e fé.
Confiança nos caminho tortos da vida que sempre me colocaram no trilho da minha própria evolução espiritual e fé em Deus, ou na força maior pela qual cada uma de nós acredita ser guiada.
Eu te confesso que percebi que o meu feminismo me afastou de Deus. Me fez tirá-lo do meu vocabulário e colocar no altar única e exclusivamente as tantas facetas da Deusa. E ao me impedir de honrar a existência de um Deus eu, sem querer, me distanciei de um dos lugares, se não o lugar, mais afetuoso e seguro que eu experimentei na vida:
o colo paterno, o colo do meu pai.
Mas de uma forma um tanto surpreendente, o desabrochar dessa nova camada do meu Feminino está me reaproximando Dele e me fazendo voltar pro colo afetuoso e seguro de uma figura paterna universal, poderosa, amorosa e radicalmente compreensiva; um Deus que se assemelha muito ao pai terreno que eu tive e que no plano espiritual sigo tendo.
E é nesse colo que eu me encontro amaciada de encontro ao presente, confiante não só de que a vida vai dar muito certo mas principalmente que depois de algo dar certo um outro algo muito errado, difícil e traumatizante não me acontecerá.
Dissolvendo toda a pré-ocupação mental para pelo abraço aveludado da vida ser acolhida, nutrida, cuidada, acariciada, transformada e impulsionada rumo ao adiante.
Vivendo essa bela metamorfose de verbos enquanto viro borboleta-mãe.
com amor,
Verbena Cartaxo
Enquanto isso no Lustre do Castelo Clube do Delírio.
Esse texto inaugura mais uma nova seção aqui nessa biblioteca de bálsamos com gosto de cafofo: um viver afetuoso. Ao tentar arquivar esse bálsamo acima em uma das seções existentes eu entendi que além de radicalmente viva, vagarosa, desejosa e criativa a vida precisa também ser radicalmente afetuosa, temperada com uma das mais belas qualidades do Feminino: a capacidade de, com um afeto radical, melhorar o mundo.
E além dessa nova seção, em Março, quando eu oficialmente me despedirei do Instagram para estar no Substack e só no Substack, uma outra seção será inaugurada por aqui; um cantinho especialmente dedicado as mulheres criativas e criadoras que, assim como eu, amam escrever e já chegaram no seu limite quando o assunto é criar nas redes sociais.
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Espero ter o prazer de te encontrar do lado de dentro do meu clube.
v.
V, que sintonia! Tenho me reaproximado de Deus também por motivos muito similares. Aprender a confiar, me entregar e poder só ser. Precisamos tanto confiar no masculino pra isso! Tem sido um processo intenso de desamarrar preconceitos e me livrar da sensação de uma autorresponsabilidade rígida e exigente. Grata por se abrir neste espaço! Que bom que ele existe!♥️
Chorei e agradeci cada palavra desse bálsamo. ❤️
Um super obrigada pela prática, já aplicando aqui e animada demais para a seção sobre o Substack.
Beijos e abraços apertados! 🥰