Do que são feitos os sonhos?
Sobre sonharmos o Presente na intimidade dessa nossa imperfeita e mágica little life.
Eu sou uma alma artista.
Sou também filha, neta, bisneta, irmã, sobrinha, prima, melhor amiga, ex-mulher e vizinha de cafofo de almas artistas e ainda que eu seja uma bela de uma virginiana muito da enraizada e pé no chão, como toda alma artista eu sonho.
E não é pouco.
Mas até bem pouco tempo cada um dos meus sonhos vivia no compartimento do coração destinado a tudo que é grande e grandioso, aquilo que precisa de muito trabalho, doses de sorte, linhas de um bom planejamento e pitadas de magia para virar realidade. O compartimento dos micro sonhos, aquilo que de tão insignificante nem chega a ser qualificado como sonho e acaba sendo chamado de mera vontade, vivia vazio e corria o risco de, por falta de uso, virar depósito permanente de poeira.
Só que, ainda que muita gente acredite que não, a Vida é sim boa e repetidamente coloca dias recheados de insights no nosso caminho para nos fazer despertar para aquilo que precisa ser revisto e faxinado dentro de nós.
Pois bem.
A Dona Vida, na semana passada, me fez pegar o carro e às oito da noite sair de casa para comprar uma vassoura e atrás do volante repensar essa minha tendência em sonhar grandezas.
Tá, mas pelo menos você aproveitou a ida fora de hora ao supermercado para comprar o pó de café, o leite de aveia, a lentilha e o papel higiênico que estavam acabando, né?
Não.
E sabe por que?
Porque eu não fui ao supermercado ser prática.
Eu fui realizar um sonho que há tempos deveria ter sido realizado e quem eu levei comigo não foi a mulher-dona-de-casa-futura-mãe-de-família movida a praticidade e sim a mulher-selvagem-também-dona-de-casa-e-futura-mãe-de-família movida a sonhos; aquela que vem escolhendo se entrelaçar a vida e que, naquela noite nada especial no meio da semana, soube ritualizar desde o tirar da chave do carro do ganchinho perto da porta onde ela vive quando não está na ignição até o varrer-mágico de cada canto do lar que ela é dona.
Eu sou sim virginiana mas isso nunca me impediu de, vez ou outra, não ser nem um pouco prática.
Se você é uma das poucas leitoras do Vagarosa que também moram na Irlanda o que eu vou te contar a seguir não será nem um pouco novo, agora se você mora Brasil ou em algum outro canto desse mundo redondo cheio de cantos, então pode ser que o que eu vou te contar te deixe um tanto espantada.
Eu, em dez anos vivendo nessa bela ilha, te confesso que sigo no time de quem se espanta.
E não é pouco.
Normalmente, quando você muda para uma casa alugada e às vezes até quando compra uma casa por aqui, ela já vem toda mobiliada. Vem com cama, colchão, armário, vasos de planta quase sempre clamando por um pouco de amor e cuidado deixados para trás pelos antigos inquilinos, máquina de lavar roupa, de secar roupa e até de lavar louça; o que eu sempre achei que fosse uma baita de uma sacanagem com quem gosta de lavar louça e meditar enquanto faz aquela bela esfoliação no prato com a bucha cheia de sabão e desperdiça um tanto considerável da água sagrada do planeta, pelo menos essa era a minha opinião até eu me mudar para esse apartamento e passar a ter uma máquina de lavar louça trabalhando por mim diariamente.
Inclusive, enquanto eu te escrevo a louça está sendo lavada e não é por essas minhas mãozinhas que estão bem melhor ocupadas com a feitura de mais esse bálsamo.
Em meio a tudo que já está na casa te esperando quando você muda, um item nunca falta.
O tal do aspirador de pó.
Se você tem e ama o seu aspirador de pó, robótico ou manual, pode ser que a gente encontre um belo de um desacordo e os nossos caminhos se separem por aqui. Tomara que a gente seja adulta o suficiente para superar esse desacordo. Se não formos, saiba que foi um prazer ser lida por você.
Porque eu de-tes-to aspiradores de pó.
E ainda que eu ame ter uma máquina de lavar louça trabalhando por mim enquanto eu trabalho de escritora a idéia de ter um robô “aspirando o pó da casa” me deixa indignada. E que fique bem claro: o meu problema não é com a tecnologia robótica e sim com a idéia de aspirar pó.
Afinal, além de artista eu sou Bruxa.
E bruxa que é Bruxa, conhece não só a simbologia da vassoura e do varrer mas também a eficácia desse instrumento mágico que há milênios vem limpando além de sujeira e poeira material as impurezas energéticas dos ambientes.
Você sabe, né?
Que aquela vassourinha no altar é mera simbologia e que quem dá conta mesmo da responsa que é limpar um ambiente de sujeiras e impurezas energéticas é a boa e velha vassoura de casa? Aquela que vive atrás da porta escondida das visitas, com o cabo que já soltou várias vezes todo remendado e o plástico descascando e que só é trocada por uma nova quando realmente não tem mais jeito.
Só que na Irlanda as casas não tem vassoura.
Ou melhor, elas tem além de aspiradores de pó umas vassourinhas mequetrefes com menos de 60cm de cabo que te fazem acabar com a sua coluna toda vez que você se atreve a varrer mais do que um metro quadrado.
Em dez anos de Irlanda, mesmo sendo uma bruxa de respeito, eu morei em seis casas, tive seis aspiradores de pó que eu não usei e seis desses protótipos de vassoura e, até a semana passada, ainda não tinha me permitido realizar o sonho de ter a minha vassoura própria.
E sabe por quê?
Porque eu estava ocupada sonhando só sonhos grandiosos, desatenta dos micro sonhos facilmente realizáveis que iluminam e transformam o presente.
E é justamente aí que a bela reflexão que eu tive atrás do volante, enquanto voltava para casa feliz da vida com a minha vassoura própria na traseira do meu Berlingo 2007, entra na história.